sábado, 3 de dezembro de 2011

Relatos De Um Indigente

Transcrição da gravação encontrada no Beco 22 com a Barker Street


"Sinto minha mão trêmula. Seus nós estão apertados contra o aço frio da coronha. Hesito, penso nas consequências. Haveria de fato alguma? Tento esquecer e me focar. “Apenas faça”, é o que penso. 

Estou aqui porque nunca compreendi de fato como a sociedade funciona, um ato justificando outro. Hamurábi dizia isso, pois seria o mais sensato e adequado para a humanidade. Hoje, porém, muitos dizem o contrário. “A reação é injustificável.” Embora ela se auto-justifique. 

Posso explicar minha visão antes de fazer o que acho e acredito ser o certo? Muito bem, então entenda que a vida é divina, bela e sutil. O “nosso” planeta (algo que também discordo) é cheio dela. Por mais incrível que pareça, sua origem é a morte. Não a sua própria morte, mas a de outro. Para haver um equilíbrio é necessário que uns morram para que outros vivam. Observe um esquilo, por exemplo, ele precisa se alimentar. Mesmo que muitos não as considerem, as plantas transbordam vida. Vida, e o que o nosso querido e audaz esquilo precisa: glicose. Para a sua sobrevivência, a iminente morte de tal planta se faz necessária. Como previa Hamurábi. Não entendeu ainda? No lugar do esquilo e da planta, experimente atribuir respectivamente tais cargos (de caçador e caça) a um tigre e um veado, a um tubarão e um peixe ou então a dois pais de família. 

Assustou-se? Provavelmente não. Está tão acostumado com isso que no máximo achou tal situação esdrúxula. Mas foi isso que eu vi. Eu e Hamurábi. Pois nesta maldita sociedade que se teme e odeia, tais concorrentes são comuns, pois é só notar que, seja numa entrevista de emprego, numa prova para entrar na faculdade e, resumindo, tudo na vida, estamos em uma constante batalha, seja para conseguir se alimentar ou não. Pois “para gerar a vida há a morte”. 

Esta semana matei quatro pais. Estávamos no mesmo barco, tentávamos conquistar o que deveria ser nosso de acordo com a poética (e vazia) Declaração Universal Dos Direitos Humanos, tentávamos viver. Nós e nossas esposas e filhos. Não comíamos há dias. Três, para ser exato. A situação se estreitou restando apenas uma chance para somente um de nós. Não hesitei, pois muitos precisavam de mim. Fiz o que precisava ser feito. Hoje sei que tais “companheiros” estão mortos. Não aguento ter o sangue deles (e de suas famílias) em minhas mãos. Por isso desisti dessa droga de vida. De tudo. 

Espero que vocês (um detetive e posteriormente minha família) compreendam meus motivos, pois desisti de ensinar aos meus filhos que devem fazer de tudo para atingir suas metas, numa luta de fracos e fortes, afinal discordo totalmente dessa “lei” mascarada. 
 


Finalizando, acho interessante ostentar meu nome, portanto lembre-se: 

..."


[Fim da gravação]